LIÇÕES DO CONFUCIONISMO PARA ALÉM DA CHINA
- Reyel Moreira de Souza
- 25 de mar. de 2021
- 4 min de leitura
Uma analogia entre o filósofo oriental e o ocidente platônico.
Por Reyel Moreira de Souza
Edição por Elisa Romera de Freitas
Deparei-me, em certo momento da quarentena, com a oportunidade de estudar um pouco mais de filosofia e, por ser um tema que me desperta curiosidade, abocanhei com gosto o ensejo. Pincelei uns filósofos gregos aqui e uns modernos acolá. Por isso, quando fui informado do tema desta edição inauguratória da Revista Ricochete, logo me veio à mente escrever sobre Confúcio, o maior pensador Chinês.
Entretanto, encontrei um problema: nunca havia lido mais que seu nome e, mesmo com toda sua relevância histórica, era com dificuldade que encontrava materiais sobre ele. Lendo um pouco de Os Analectos, livro escrito pelos discípulos de Confúcio sobre os diálogos que tinham com o mestre, deduzi que não era por falta de conteúdo ou qualidade.
No início de minhas leituras me esforcei em manter uma imparcialidade histórica, tentando isolar o autor em seu próprio espaço e tempo, mas a ideia de embutir conflitos com o que conhecia a respeito dos pensamentos ocidentais também me atraiu bastante. Entre uma leitura isolada e uma leitura objetivamente enviesada, escolhi adotar o exemplo de Kant¹ e sintetizar o melhor que podia das duas coisas.
A mais notável observação que devo fazer é que Confúcio representa para os povos do sudeste asiático algo próximo do que Platão - ou Cristo, se separado de qualquer religiosidade - representa aqui. Ambos construíram culturas e teceram costumes e ideias que influenciam a vida contemporânea. Cada um à sua maneira, mas com objetivos parecidos.
Platão havia assistido seu mestre, Sócrates, ser julgado e condenado à morte em uma assembleia popular de 501 cidadãos atenienses. Muitas das acusações eram baseadas em críticas abertas que Sócrates fazia ao modelo de gestão de Atenas, como conta o próprio Platão em “Apologia de Sócrates”².
Visto que sua própria vida também estava ameaçada, Platão, descontente, se exilou junto aos outros discípulos e montou sua academia no subúrbio de Atenas, longe e protegida do mundo.
Tudo isso teve uma importância ímpar para Platão, que se viu buscando reformular a sociedade que condenou seu mestre. Investiu com rigor no aperfeiçoamento da procura pelo bem e pela verdade para, assim, encontrar e propor soluções, por meio da razão, à então República de Atenas.
Já Confúcio, que viveu durante a queda da Dinastia Zhou, presenciou a separação do Estado chinês e a descentralização de seu poder, que foi dividido em 170 pequenos Estados conflituosos e instáveis. O período foi chamado de Primaveras e Outonos, pois vários Estados nasciam e morriam em poucas décadas.
Confúcio não se exilou, nem montou uma academia para se proteger do mundo. Longe disso, construiu conceitos éticos e os aplicou enquanto conselheiro de diversas cortes e como burocrata, profissão que dispôs em parte da vida. Entretanto, mantendo-se em coerência com os próprios princípios, abandonava seus cargos sempre que se deparava com algum engodo político.
Platão pensou a realidade como razão pura³. O mundo original lá, onde habita o verdadeiro e o bem, e o mundo empírico aqui, composto de engano e corrupção.
Seguindo essa ética, devemos nos afastar do mundo enganoso que estamos, saindo da caverna de sensações mentirosas para nos aprofundar no que é melhor, do outro lado. Como diz o livre-docente Clóvis de Barros Filho, “fomos ensinados a amar à moda de Platão”, mantendo uma vida ascética, glamurizando o sacrifício e negando o mundo daqui, em busca da hipótese de um mundo perfeito que está por vir. E essa é a ideia predominante no ocidente cultural.
Confúcio acreditava no Chun-Tzu, traduzido como “nobreza de caráter”, e que as respostas morais não devem ser pautadas em outro plano e sim na realidade que se observa e enfrenta.
O objetivo era trazer melhorias sociais reais a longo prazo, propondo educação pública de qualidade para ensinar como elevar todo indivíduo ao Chun-Tzu e corrigir os problemas que afligiam a época.
Pelos dizeres do próprio filósofo: “Certa vez conheci um homem que voava tão alto que se assemelhava às aves do céu. Eu não, prefiro manter meus pés no chão.” O tempo e o espaço em que vivemos deve ser valorizado como a única oportunidade de fazer a diferença, é aqui onde estão os problemas e é aqui onde devem ser corrigidos.
Como aprendizado, é importante nos entendermos como sujeitos, principalmente em meio a uma pandemia que já deixou mais de 300 mil mortos por todo o país. É importante buscar melhorias para a nossa realidade por nós mesmos, enfrentando o desânimo da derrota e reconhecendo que isso é tudo o que temos, ou tudo o que nos restou, e que agora devemos construir algo melhor.
Como afirma a professora Lúcia Helena Galvão: “A lição central do confucionismo é que o homem espiritual não tem que levar uma vida ascética, pois a união com o superior pode ser alcançada e mantida no meio da vida terrena, uma vez que os obstáculos a essa união não estão fora, mas dentro de nós”
NOTAS DE RODAPÉ
¹ Immanuel Kant: Filósofo prussiano, conhecido por sintetizar o racionalismo e o empirismo em um único método filosófico. A razão é usada para teorizar enquanto os sentidos são usados para testar, comprovando ou negando a teoria.
² Apologia de Sócrates: Trata-se de de um livro de Platão que relata, em um misto de verdade histórica com liberdade poética, todo o processo do julgamento de Sócrates.
³ Razão pura: Conhecimento e informações inatas, sem interferências dos sentidos. São exemplos: Intuição e imaginação.
Parabéns pelo palpitante e oportuno artigo!
Confúcio viveu com os pés no chão para hoje voar no mundo das ideias.